Flávia Guerra escreve artigo de opinião para El País sobre cinco lições transformadoras da América Latina para o desenvolvimento urbano inclusivo e sustentável

Mulher e homem olham para uma pintura mural de borboletas em um fundo roxo
© Nathalie Saenger / UNU-EHS

Em um artigo de opinião para o El País, Flávia Guerra, especialista sênior da UNU-EHS, descreve exemplos de sucesso da América Latina que poderiam servir de guia para esforços de transformação urbana em todo o mundo. A partir de exemplos na Argentina, México e Brasil, Guerra destaca a importância do envolvimento comunitário, do planejamento urbano criativo e da conscientização ambiental.

As lições aprendidas baseiam-se no projeto Alianças para Transformação Urbana (TUC), liderado pela UNU-EHS e apoiado pela Iniciativa Climática Internacional do Ministério Federal Alemão para Assuntos Econômicos e Ação Climática. Ao examinar essas iniciativas bem-sucedidas em Naucalpan (México), León (México), Teresina (Brasil), Recife (Brasil) e Buenos Aires (Argentina), Guerra defende uma abordagem holística para a transformação urbana, que possa fazer frente aos desafios contemporâneos, como as mudanças climáticas, a desigualdade e a coesão social.

Leia o artigo completo em espanhol aqui. Abaixo, segue o artigo traduzido para o português.


As práticas europeias e estadunidenses, embora eficazes em muitos aspectos, nem sempre são adequadas para abordar os desafios das cidades contemporâneas, especialmente em contextos de elevada desigualdade, recursos limitados e mudanças climáticas. A América Latina oferece lições valiosas devido à sua experiência na adaptação a condições urbanas complexas e à sua capacidade de inovar com soluções oriundas de iniciativas populares. Sua tradição marcada pela presença de comunidade e cooperação é fundamental num mundo com desconfiança crescente nas instituições. Um exemplo de sucesso são os Laboratórios Urbanos do projeto Alianças para Transformação Urbana (TUC), liderado pela UNU-EHS. Em menos de três anos, estes Laboratórios, que surgiram como modelos participativos para abordar os problemas urbanos de raíz, conseguiram realizar mudanças significativas nas ruas e bairros, influenciando a mentalidade de cidadãos e autoridades, bem como as políticas públicas que afetam a vida urbana.

Através de experiências em diferentes locais da Argentina, México e Brasil, estes Laboratórios Urbanos acumularam pelo menos cinco lições que podem servir de guia para esforços de transformação urbana em todo o mundo:

  1. Promover espaços seguros e de confiança para a participação cidadã

    A participação cidadã ativa é essencial para impulsionar a transformação nas cidades. É fundamental estabelecer um espaço neutro para o diálogo e a colaboração entre diversos setores e partes interessadas. Com o tempo, esta troca de perspectivas e conhecimentos conduz frequentemente a uma aprendizagem compartilhada e a uma maior confiança mútua. O Laboratório de Naucalpan, o município mais industrializado do Estado do México, vem servindo como espaço de encontro para funcionários públicos e representantes da sociedade civil, setores que antes não trabalhavam juntos. Estes atores colaboraram na definição de uma visão compartilhada e de um plano de ação para abordar desafios locais, codesenhando e implementando projetos-piloto e atividades de conscientização sobre infraestrutura verde, ambientes seguros para pedestres, gestão de resíduos sólidos e transporte público.

  2.  Localizar a agenda climática e cocriar soluções baseadas no contexto

    As mudanças climáticas raramente são percebidas como um problema urgente pelos habitantes das zonas urbanas mais pobres, mas causam impactos significativos para estas populações. É imperativo gerar conscientização e trabalhar nas inter-relações entre os impactos das mudanças climáticas, o desenvolvimento urbano e as questões de desigualdade nestas comunidades. O Laboratório Urbano de Buenos Aires, na Argentina, integrou a ação climática em estruturas e processos pré-existentes na Villa 20, um assentamento informal na cidade de Buenos Aires que está passando por um processo de reurbanização. Esta integração tornou possível aproveitar o apoio político e a participação comunitária para promover soluções baseadas na natureza. O caso da Villa 20 mostrou que, ao localizar a agenda climática e cocriar respostas adaptadas às necessidades locais, as barreiras mentais e políticas podem ser ultrapassadas. Isto pode ajudar a gerar maior conscientização e compromisso, tanto por parte do governo como da comunidade, com a ação climática local.

  3. Fortalecer as capacidades locais e empoderar novas lideranças

    Empoderar as comunidades para se tornarem agentes de mudança é essencial para que estas possam assumir a liderança de iniciativas transformadoras, tanto a curto como a longo prazo. Com o Laboratório Urbano de Recife, no Brasil, na Comunidade do Pilar, aprendemos a importância de promover a liderança comunitária e a participação feminina na transformação através do desenvolvimento de capacidades. A cooperativa local Artesãs do Pilar surgiu como resultado de uma capacitação com mais de 20 mulheres, focada na confecção de produtos artesanais a partir de materiais reciclados. A iniciativa reduziu o acúmulo de lixo nas ruas e se tornou uma fonte de renda, fomentando o senso de comunidade, práticas sustentáveis e habilidades de comunicação, organização e gestão financeira.

  4. Aproveitar oportunidades para gerar impacto sistêmico

    Para que as iniciativas transformadoras perdurem, é essencial garantir recursos financeiros e buscar oportunidades para expandir seu impacto. O Laboratório Urbano de Teresina, no Brasil, abordou desafios do programa nacional de habitação social Minha Casa, Minha Vida no Residencial Edgar Gayoso, como falta de participação comunitária, segregação social e econômica, problemas de infraestrutura e preocupações ambientais. O modelo de governança participativa do Laboratório, agora também adotado pelo programa nacional Periferia Viva, não apenas promoveu uma comunidade mais interconectada e comprometida com a transformação da sustentabilidade em Teresina, como também contribuiu para transformar a concepção de políticas públicas. Este modelo garante a participação contínua e informada das comunidades na tomada de decisões urbanas, promovendo uma abordagem mais inclusiva e sustentável ao desenvolvimento urbano.

  5. Compartilhar experiências e aprendizados amplamente

    Compartilhar os sucessos e aprendizados dos Laboratórios Urbanos não significa apenas transmitir conhecimento, mas também construir pontes para promover mudanças globais. A comunicação transformadora e abordagens mais criativas potencializam estes esforços. No Laboratório Urbano de León, no México, assim como nos demais laboratórios, compartilhar aprendizados tornou-se uma ferramenta vital. As habilidades de comunicação permitiram que as preocupações da comunidade fossem documentadas de diversas maneiras, inclusive por meio de fotografias e imagens de drones. Através de visitas, intercâmbios com outras cidades, redes sociais e participação em eventos nacionais e globais, os Laboratórios Urbanos do TUC estão multiplicando o impacto de suas iniciativas, inspirando outras pessoas a seguir seus exemplos e a impulsionar mudanças positivas em suas próprias comunidades.

Estas cinco lições oferecem um roteiro valioso para tornar nossas cidades mais resilientes, inclusivas e sustentáveis. Ao integrar a ação climática com processos participativos e capacitar as comunidades para serem agentes de transformação, as cidades podem enfrentar de forma abrangente e eficaz as crises ecológica, econômica e social.